23/03/2016

Expedição Graxaim pela Lagoa Mirim - Remada noturna Capilha-Sangradouro, descida do São Gonçalo e chegada em Pelotas

16ª noite e 17º dia - 24/01/2016 e 25/01/2016

Sim, minha força está na solidão.
Não tenho medo nem de chuvas tempestivas
nem das grandes ventanias soltas,
pois eu também sou o escuro da noite.
Clarice Lispector

Remada noturna de 45 km, saindo 22h da Capilha e chegando as 10h no Sangradouro.

E então, depois de alguns pasteis e umas cerveja, eu e o Anderson conversamos um pouco e resolvemos seguir viagem. O motivo era simples:

- o vento estava calmo, o que normalmente acontecia no período da noite. 
- era noite de lua cheia, tínhamos uma boa visão da lagoa.
- já estávamos com saudade de casa.
- ganhamos um refrigerante de 2,5 litros, com muita cafeína para afastar o sono.

Sendo assim, com tudo isso misturado, a força veio, o sono acabou, colocamos os casacos, lanternas na cabeça e resolvemos remar mais uns 10 ou 15 km. Lá fomos nós.




Primeira parada 10 km depois da Capilha, exatamente a 1h da manhã. Estava frio fora dos caiaques. Também não estava fácil chegar perto da costa, pois existiam muitos bancos de areia por todo o trajeto. Ficávamos sempre de olho nas árvores para não nos distanciarmos da terra.


Muitos peixes pulando nos caiaques por causa do barulho e da luz. Muitas aves pescando.


Já eram 4h da manhã. Paramos pela 2ª vez para ver nossa localização. Estávamos quase na curva, último trecho com areia. Depois só juncal e banhado até o Sangradouro, nenhum local para atracar. Hora de tomar uma decisão: ir ou ficar? 

Estava mais frio ainda fora dos caiaques, iríamos demorar bastante para montar o acampamento no escuro, não sei se conseguiríamos atracar os caiaques perto da costa, talvez fosse preciso arrastar os barcos, por causa dos bancos de areia... Por todos estes motivos, resolvemos seguir, mesmo cansados e com um pouco de sono.


Depois da curva, acabou a areia e o reflexo da lua já não nos ajudava tanto a ver a costa. No entanto, a ótima visão do Anderson nos ajudou a navegar com tranquilidade.

As ondas aumentaram, o que nos preocupou um pouco. Passamos por incontáveis capivaras, que ficavam na beira dos juncais, até quase a nossa passagem, quando elas se atiravam para dentro da lagoa, quase atropelando os caiaques. Chegava a dar medo delas saltarem em cima dos barcos...

Ficamos contando as horas para o dia amanhecer. Próxima parada só no Sangradouro. Mesmo cansados, o nascer do sol, remando na Lagoa Mirim, foi um dos momentos mais bonitos da expedição.






Estranhamente, mesmo chegando perto do São Gonçalo a corrente era contrária, indo para o sul, ou seja, para dentro da Lagoa Mirim. Nossa expectativa é que estivesse correndo água para dentro do canal. Demorou para chegarmos no Sangradouro.


Conforme os registros do GPS, chegamos no Sangradouro perto das 11h da manhã. Que canseira! Paramos por 1h, deitados dentro da água, dormindo ou descansando, mas certamente comemorando o fim da volta na Lagoa Mirim.


O sol estava muito forte e não havia jeito de montar acampamento sem encontrar uma sombra. Desta forma, seguimos remando até Santa Isabel.

Depois de 1 hora de descanso da remada noturna, remamos 37 km canal abaixo.


Lá fizemos uma grande pausa, conversamos com o pessoal, alguns dos quais já havíamos conversado na ida. Comemos um x-tudo e tomamos mais uma cerveja. Pelas 15h, seguimos viagem, para aproveitar o vento e a correnteza que já estavam descendo o canal.


Logo depois de sair de Santa Isabel o sono bateu. Tivemos que parar e dormir embaixo de uma pequena árvore, quase que nem fazia sombra, mas o sono nos venceu. Ficamos por quase 1h dormindo. Depois seguimos.


Chegou a tempestade para lavar a alma dos remadores. Primeira chuva que pegávamos na expedição. Que janela de tempo bom ein!



Passamos a Ilha Pequena, a Ilha Grande, a Ilha das Moças. Queríamos acampar na Ilha da Brigadeira, pois havíamos gostado do lugar... Como eu não tinha mapeado, não sabia a distância da Ilha das Moças até a Ilha da Brigadeira. Foi quando pedi para pararmos no final de um retão. Sorte nossa, uma bolanta na boca do Arroio do Pavão, lugar nota 10 (com o chão bem retinho pro Anderson dormir confortável).








Foi um dos finais de tarde mais bonitos da expedição. Durante a noite, saiu um barco do arroio para caçar capivara, felizmente não conseguiram nada ali perto.






Baseado na nossa velocidade, tempo e distância percorridos desde a entrada no canal, consegui fazer uma ótima estimativa de chegada. Conseguímos avisar o pessoal que chegaríamos no outro dia, entre 15h e 16h.

Ahhh, quase estava esquecendo de contar o fator determinante para que soubéssemos que certamente iríamos chegar em Pelotas no próximo dia: já havíamos passado o Piratini e "depois do Piratini o São Gonçalo corre para Lagoa dos Patos".

18º dia - 26/01/2016


Terminar o momento,
encontrar o final da jornada em cada passo do caminho,
viver o maior número de boas horas, é sabedoria.
Ralph Waldo Emerson

Último dia de remada, descendo o São Gonçalo e reencontrando a Lagoa dos Patos. Foram 40 km.
No último dia, depois das burocracias matinais, remo forte em direção das casas. Passamos pela Eclusa, de forma rápida, mas nem por isso sem aquela pontinha de adrenalina: depois dos portões se criam redemoinhos, mas remos na água e tudo certo.


As pontes de Rio Grande já faziam parte do nosso passado. Ficávamos falando das famílias e amigos... Nos perguntávamos: será que o amigo Joel estava vindo para remarmos os últimos quilômetros juntos?




Logo depois foi a vez da ponte de ferro...


O porto de Pelotas... já estávamos em casa!



O campus da UFPEL está ficando bonito. E ficando para trás...



E lá estava ele, subindo o canal, bem encostado no junco, pela margem riograndina, com toda a experiência e alegria que o Vovô do remo tem... Grande Joel Ramos, prometeu e veio... Valeu amigo!


Depois do nos encontrarmos, papo vai, papo vem, nem vimos passar o Arroio Pelotas. Fizemos uma parada na margem pelotense, para desaguar um pouco. Surpresa, o Joel trouxe pão, bolo e suco... eita coisa boa :)

Já conseguíamos ver a Lagoa dos Patos. Depois a barra. Finalmente, avistávamos o nosso ponto de partida, o trapiche... Local também da nossa chegada... 

Fim de mais uma expedição. Era dia 26/01/2016, 15:30, bem dentro do horário previsto. Foram 650km, 18 dias de remada, passamos pela Lagoa dos Patos, Canal São Gonçalo, Lagoa Mirim, águas brasileiras, águas uruguaias... 

Na chegada, o parceiro Diogo Cassal do Jornal do Laranjal estava lá, nos esperando para registrar o momento. 

Que felicidade, compartilhada com os amigos e a família. Como escreveu Christopher McCandless, a felicidade só é real quando for compartilhada.



Até a próxima :)

21/03/2016

Expedição Graxaim pela Lagoa Mirim - Passando pelo Mastro do Itaqui e rumando para a Capilha


15º dia - 23/01/2016

A âncora que protege o navio contra as tempestades estará sempre nas profundezas, não no mastro.
Odair Alves de Oliveira

Neste dia foram 45 km remados, passando pelo Arroio Del Rey.
O dia amanheceu calmo e com muito sol, perfeito para remar. Depois de todas as burocracias matinais, largamos para a água e nosso primeiro objetivo era entrar no Arroio Del Rey e conhecer o famoso Mastro do Itaqui.


Foi isso que fizemos: foram apenas 7 km de remo e já estávamos lá. Logo na entrada do arroio uma família pescando. O Anderson já ficou todo interessado em descobrir como eles chegaram lá de carro. No entanto, só demos aquele buenas e passamos por eles, pois queríamos mesmo era ver o tal mastro. Conforme a lenda, há mais de 50 anos, estava lá, na boca do Arroio Del Rey, o mastro do Barco Itaqui, que transportava cal de Pelotas para Curral Alto e o desembarcava naquele local.






Não sei do que madeira é feito o mastro, mas ele estava lá, firme e forte, sem sinal de desgaste. Provavelmente vai aguentar mais um bom tempo por lá...

Depois de ficar alguns minutos ali, voltamos e fomos conversar com o pessoal que pescava no acampamento. E pra falar a verdade: que baita acampamento. Eles estavam bem acampados, eram umas 7 ou 8 pessoas, mas nem todas ali no momento.


Conversamos um pouco, ganhamos, cada um, um copo de refrigerante bem gelado. Entre um assunto e outro, eu e o Anderson ficávamos olhando para a paleta de ovelha, pingando graxa no fogo. Que vontade de comer carne, pois desde a saída de Pelotas, estávamos só no atum e sardinha...

O Sidíco até nos convidou para ficar, esperar mais um tempo, e comer a ovelha junto com eles. Mas, o dia estava muito bom para remar, sem vento, diferente de todos os últimos dias. Resolvemos recusar o convite e seguir remando. Ainda me lembro daquela ovelha pingando graxa no fogo...


Saímos do Arroio Del Rey e apontamos para o leste, direto e reto... Fizemos isto pois, ao aproar para o sul, estaríamos voltando... O tempo estava bom e nada de vento. Aquela ansiedade nos fazia a cada momento, abrir um pouco mais a remada, para atalhar e ganhar tempo e distância. Repentinamente, depois de uma soprada de vento, ele começou a vir do sul, fazendo as ondas baterem de través nos caiaques, nos empurrando ainda mais para o meio da lagoa.

Chegou um momento que já estávamos sem forças, o cansaço era grande e areia parecia nunca chegar... É fascinante como o ser humano, quando sabe que ninguém mais poderá ajudar, que a situação pode piorar, consegue ânimo e força para continuar sua jornada...

Nos só queríamos chegar na terra e descansar... e depois de 18 km de travessia, chegamos, finalmente... Como costumávamos falar: mas que puxada!

Depois da travessia, remada costeira, aproveitando o vento de popa, vindo do sul... nos levando para a casa. :)





Final de tarde, montamos acampamento bem na frente de uma fazenda. A cachorrada passou o tempo todo latindo, avisando os donos da fazenda que alguém estava por perto. Mas eles não nos enxergavam, pois estávamos logo abaixo de um pequeno barranco.


Faltavam 25 km para chegarmos na Praia da Capilha.



16º dia - 24/01/2016

Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça.
No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.
Confúcio

Neste dia foram 25 km remados até a Praia da Capilha. Chegamos lá exatamente no pôr do sol.
O dia começou com o vento bufando contra nós... Nada anormal, o nordeste é o vento predominante no verão.



Estávamos a 25 km da Capilha e com aquele vento, seria bem complicado chegar. Com apenas 6 km remados, tivemos que fazer a 1ª parada para descansar.


Lembro que por toda costa existiam grandes torres de energia elétrica. Eu e o Anderson ficávamos contando as torres, tentando encontrar ânimo e ter a certeza de que estávamos remando para frente... pois com aquele vento, nem sempre era fácil perceber isso. A cada parada, nos deitávamos e dormíamos, mesmo debaixo do sol e com muito vento.


Fizemos a 2ª parada, onde cogitamos até montar acampamento. Depois de quase 1 hora dormindo na beira da lagoa, resolvemos ir um pouco mais. Nessa 2ª parada tinha um bom capão de mato para acampar, bem protegido, mas mesmo assim, era cedo e resolvemos tentar a sorte e ir mais para frente.

Neste dia, o Anderson estava bem mais rápido que eu. Com o vento e as ondas batendo na proa do caiaque, o meu, que é bem mais largo, tinha mais dificuldade em pegar velocidade. O Anderson estava remando tão mais rápido que chegava a sumir da minha visão. Como era uma remada costeira, não havia problema. Depois de uns 15 ou 20 minutos eu cheguei onde ele estava parado. Tinha um capataz, a cavalo, conversando com ele.

Ficamos ali um tempo conversando e ele escutou nossas histórias, nos contou que tinha um irmão que morava na beira do São Gonçalo, nos falou que faltava pouco para chegarmos a Capilha... Não levei muita fé, pois já tinha feito as medições (ou porque eu já estava muito cansado), mas resolvemos continuar remando.




Passamos por torres de energia, que nas épocas secas ficam em terra. No verão, com o grane volume de chuvas, elas estavam totalmente dentro da água. Lembro que não me senti muito confortável em passar por debaixo daqueles fios. Bom estávamos na região do Taim e as capivaras começavam a aparecer...



Mais uma parada depois das torres. Foi a 4ª parada. Eu estava morto. A remada não rendia e o Anderson se distanciava muito em poucos minutos de remada. Pedi para pararmos ali e montarmos acampamento. O Anderson queria chegar na Capilha. Lá pelas tantas resolvemos trocar de caiaques.



A troca de caiaque nos deu (me deu) o ânimo necessário para chegar até a Praia da Capilha. Foi bem legal experimentar o Santa Cruz da M&G, caiaque mais rápido e menos volumoso. O Anderson que estava menos cansado, pegou o Artic e remou forte... Chegamos na Capilha no exato momento do pôr do sol. Era domingo e tinha muita gente por lá.


Fui logo registrar fotos da Capela do Taim, nome pelo qual é conhecida a Capela de Nossa Senhora da Conceição, situada no povoado do Taim, 4º Distrito do Rio Grande, próximo da Lagoa Mirim. Foi construída em 1785, sendo chamada pelos espanhóis "Capela de São Pedro" por estar no continente de São Pedro. Em 1844 foi reconstruída tendo entre seus patrocinadores o famoso Capitão Faustino Corrêa, fazendeiro da região. Foi concluída dois anos depois, quando foi criada a Freguesia do Taim. Embora o aspecto arquitetônico singelo representa a hegemonia da igreja durante o império. Em seu frontispício, encontra-se um "Relógio de Sol", que constitui motivo de curiosidade para os turistas.  Recentemente uma equipe de técnicos da  Universidade Federal do Rio Grande - Furg que realizou estudos e trabalhos arqueológicos nesta Capela  encontrou vestígios da existência de uma outra capela no mesmo local que pode ter sido construída por volta do ano de 1700.  Não foi o primeiro prédio religioso construído no local. Pelo menos duas outras já haviam sido erguidas ali, uma delas de madeira, a qual teve uma das paredes queimada. Conforme os estudos,  cogita-se que a primeira capela tenha sido erguida para acompanhar um corpo de guarda de fronteira.  A estrutura pode ter sido abandonada durante os 13 anos de ocupação espanhola. (fonte: http://caferiogrande.blogspot.com.br/)



Que praia bonita... quero voltar lá num final de tarde...



Depois fomos falar com o novo amigo Luiz Paiva Carapeto e sua esposa, que haviam nos gritado lá de cima dos barrancos, perguntando se éramos os remadores que estavam fazendo a volta na Lagoa Mirim.

Chegada registrada pelo novo amigo Carapeto.
Depois das fotos e de uma conversa, fomos comer o famoso pastel e tomar cerveja. Fizemos alguns amigos por lá. Primeiro conhecemos uma família, onde o pai estava levando os filhos escoteiros para acampar ali na beira. Depois conversamos com o dono do bar e recebemos um presente: um refrigerante 2 litros. Ainda conseguimos recarregar as nossas garrafas de águas que já estavam acabando.



Será que os próximos trechos não teriam as mesmas emoções? Já havíamos realizado aquela remada, da Capilha até Pelotas antes, com o amigo Joel Ramos... Será que a remada seria igual? Será que alguma remada é igual?

Hora de parar e descansar? Montar acampamento na Capilha? Será?