11/09/2019

Route-finding: Navegando e encontrando a sua rota


Route-finding é a habilidade de buscar a menor/melhor rota entre uma origem e o destino. Planejamento, usando as cartas náuticas e mapas, é sempre muito importante, mas mais ainda é saber ler e compreender as condições do ambiente, seja rio, lagoa ou mar, bem como analisar as forças da natureza que estão atuando naquele determinado momento. 



Ao escolher um determinada rota, estamos constantemente tomando decisões, de acordo com as condições do ambiente e do grupo, naquele momento. Este processo envolve questões como:
  • Devemos ir pela esquerda ou direita daquela ilha?
  • Devemos remar mais costeiro?
  • Devemos fazer essa travessia aqui ou mais adiante?
  • Podemos navegar com visibilidade reduzida? Como?
  • Devemos parar aqui ou será possível mais à frente?

Proteção, Exposição e Tempo de Exposição


Na década de 70, Werner Furrer, antes de fundar a Werner, em uma palestra sobre canoagem, falou: "A medida do possível, as remadas devem ser feitas com um pé na costa a todo momento". Preste atenção... Vamos ler direito... Ele não disse com um pé nas costas... Ele disse com um pé na costa...  Mesmo assim, literalmente parece absurdo, mas analisando melhor pode fazer bastante sentido. 

Normalmente, mais perto da costa temos proteção contra o vento, ondas e menos tráfego de barcos e lanchas. Quanto mais perto, mais efetiva é a proteção. Não chegue tão perto da zona de surf, por favor... Segundo Werner, os grandes riscos estão nas travessias, enfrentando fortes correntes, ou simplesmente quando estamos muito distantes da segurança de um desembarque rápido, se necessário.

Resultado de imagem para kayak sea

Quando as travessias são feitas, é importante que sejam intencionais e planejadas. A decisão de realizar uma travessia envolve a análise de 3 fatores: proteção, exposição e tempo de comprometimento.

Proteção: áreas onde o remador está seguro, protegido das forças que podem deslocar ou desestabilizam o seu caiaque, ou que, pelo menos, essas forças atrapalhem menos a sua remada.

Exposição: áreas onde as forças da natureza (ou qualquer outra força externa, como por exemplo tráfego náutico) tem o maior efeito, onde a remada fica mais complicada. Normalmente estar em exposição nos reduz a quantidade de opções

O fetch (fetch é uma medida de distância que indica quão longe o vento percorreu a água aberta. A distância que o vento viaja sobre a água antes de encontrar um obstáculo, como uma costa ou recife, é o fetch do vento. Por exemplo, se um vento soprando de leste a oeste através de um corpo de água e não há obstáculos, o fetch do vento é igual à distância leste-oeste do corpo de água) é um fator extremamente importante nesta análise, onde geralmente o interessante é conseguir diminuir o fetch.

Resultado de imagem para fetch wind 

O planejamento pode começar com a pergunta "Onde tem maior fetch?" e terminar com a resposta "Vamos nos expor menos, vamos pelo outro lado".

Tempo comprometido: é a exposição expressa em tempo. Quanto tempo vamos ficar expostos? É uma medida de tempo entre dois pontos de proteção. 

Isso não necessariamente significa o tempo de uma travessia apenas. Em alguns casos, mesmo perto da costa, o remador pode não ter opções para desembarcar. Nestes casos, o estudo e planejamento prévio é importante, para não ficarmos inesperadamente comprometidos.

Em termos de organização e planejamento, o objetivo deve ser ficar o maior tempo possível protegido. Idealmente, qualquer exposição deve ser feita deliberadamente, de forma a manter o grupo comprometido pelo menor tempo possível, até chegar ao próximo ponto de proteção.

Travessias

São indiscutivelmente um dos momentos de maior exposição. Geralmente tentamos encontrar uma rota que nos permita chegar mais rápido (buscando a menor rota) a um ponto de segurança. Tipicamente nestes momentos o grupo rema de forma mais vigorosa, e deveria, preferencialmente, fazer uma formação que facilite a comunicação e um possível resgate. Alguns pontos que devemos lembrar são:

Amarre seus cadarços antes da corrida: raramente são feitas paradas durante uma travessia, com exceção de algum problema realmente sério. Por isso é importante se preparar para a travessia, das mais variadas formas: ajustando o equipamento, se hidratando, se alimentando, e deixando alimentos e água ao alcance.   

Reme com propósito: antes das travessias é muito importante descansar um pouco. Por quê? Isso permite que o remador faça a travessia de forma vigorosa e mantendo atenção ao rumo correto, com o objetivo de ficar exposto o menor tempo possível.

Reserve um tempo para fazer uma avaliação completa: é interessante fazer um debate prévio, antes de começar a remar, discutindo que forças estarão atuando naquele ambiente (ventos, maré, ondas, fetch, correnteza), buscar informações sobre o tráfego náutico local e estimar o tempo e a distância até o próximo ponto de proteção. Isso faz com que todo o grupo tenha conhecimento das mesmas informações. É importante também identificar e destacar para o grupo pontos notáveis de interesse, qual será o rumo, ...

Reavaliar a decisão constantemente: depois de fazer uma avaliação completa e decidir por fazer a travessia, é importante ter a liberdade de fazer reavaliações. Estando entre 1/3 e 1/2 da distância, avaliar se a travessia tem segurança para continuar ou é melhor voltar.

Questionar sempre: a planejamento feito aumenta ou diminui o tempo comprometido? Travessias em que o fetch diminui a medida que a trecho vai sendo atravessado são consideradas mais vantajosas do que o oposto. Identifique possíveis problemas e situações de risco. Se um problema ocorrer no meio da travessia, para onde o grupo deve ir? 

Alinhamento de Pontos Notáveis

Alinhamento de pontos notáveis: esse exemplo mostra possíveis pontos notáveis. Fazer o alinhamento destes pontos vai ajudar a manter o rumo na travessia, com o objetivo de desembarcar no farol. A partir da origem (START), olhando para o farol, é possível ver uma montanha ao fundo. Estes dois pontos estão "perfeitamente" alinhados... A travessia começa e para manter o rumo correto é importante manter o farol e a montanha alinhados. Se a montanha estiver a direita do farol (ponto do fundo mais a direita), você está derivando para direita (boreste). Se a montanha estiver a esquerda do farol (ponto do fundo mais a esquerda), você está derivando a esquerda (bombordo). Simples assim! Dica: o ponto de trás "se move" na mesma direção que o caiaque está derivando.

Ferrying usando pontos notáveis alinhados como guia

Na maioria das travessias com correnteza, fazer o ferrying é vantajoso. Mas o que é esse tal de ferrying? Consiste em remar levemente contra correnteza, para compensar a sua força. O ângulo exato não é tão fácil de estimar de antemão. A forma mais prática é, durante a remada, monitorar o alinhamento de dois pontos notáveis e ir ajustando a angulação de acordo.

Para escolher os pontos notáveis para fazer o alinhamento deve-se procurar inicialmente um local perto do ponto de destino. A linha entre o remador e esse ponto é o curso a ser seguido. Agora escolha outro ponto diretamente atrás do primeiro. O objetivo é manter esses dois objetos alinhados durante o percurso. Sendo assim, a direção que o caiaque vai aproar pode variar para manter os objetos alinhados, pois a correnteza também pode variar.

No exemplo, o remador, antes de realizar o ferrying, escolheu dois pontos notáveis para fazer o alinhamento: a cabana e a montanha. Para enfrentar os 2,4 nós de correnteza, teve que fazer um ângulo de 40º em relação ao seu destino. Na prática, sem um cálculo prévio, ele não sabia dos 40º, apenas que devia manter a cabana e a montanha alinhadas.

Situações em uma travessia com correnteza

O que importa neste contexto de travessias com correnteza é a direção e a força da mesma. Essas informações são críticas para determinar e ajustar a direção das travessias. Alguns conceitos importantes apresentados nas imagens a seguir:

- Bearing: direção para onde a bússola aponta.
- Heading: direção da proa.
- Course: direção que o caiaque realmente está andando, que pode variar de acordo com as condições.

Correnteza em oposição a direção da remada: não tira o caiaque do seu rumo desejado, o heading e o course são iguais. A velocidade real é a velocidade de remada menos a velocidade da corrente.



Correnteza na mesma direção da remada: não tira o caiaque do seu rumo desejado, o heading e o course são iguais. A velocidade real é a velocidade de remada mais a velocidade da corrente.



Correnteza lateral - sem fazer ferrying: o caiaque tenta ir para o Norte, mas a correnteza "carrega" o remador. O heading é para o norte, mas o course é para nordeste. Como o remador está a favor da correnteza, a velocidade real é a velocidade de remada mais um percentual da velocidade da correnteza.



Correnteza lateral - fazendo o ferrying: neste caso o remador previu o curso desejado e aproou correnteza acima. Com a angulação apropriada, as forças se anulam e o caiaque se manteve no curso desejado (Norte). Como o remador está contra a correnteza, a velocidade real é a velocidade de remada menos um percentual da velocidade da corrente.


Estratégias de travessia

Realizar o ferrying usando a técnica de alinhamento de pontos notáveis é uma das várias abordagens existentes. Como tudo nessa vida, cada uma delas tem prós e contras. Vamos examinar algumas estratégias para atravessar trechos com correnteza. Supondo que você quer cruzar um canal, com uma correnteza perpendicular ao rumo planejado. É assumido também que a velocidade da correnteza é constante em todos os trechos (sendo esta uma simplificação, pois na realidade nas margens a velocidade é menor, devido a menor profundidade). Para exemplificar, temos que atravessar um canal de uma milha náutica, da margem sul para a norte, com corrente de 2 nós vindas de leste e com uma velocidade de remada de 4 nós.

Aproando para o destino: essa é a estratégia usada por quem não gosta de navegar aproado para um local diferente do destino. Consiste em manter a proa do caiaque sempre apontando para o destino, independente de quanto o remador seja levado pela correnteza. No cenário de exemplo, o remador vai levar 21 minutos, podendo ficar desmotivado, devido a percepção de que a travessia nunca acaba. Prós: é simples aproar para o destino. Contras: é necessário conseguir visualizar o destino, aumenta o tempo de travessia, é difícil manter o grupo unido pois cada formato de caiaque pode sofrer de forma diferente com a ação da correnteza.


Definir e seguir um rumo: o remador verifica qual o rumo do destino na bússola (por exemplo 0º) e segue esse rumo como se não houvesse influência da correnteza. Com isso, o remador chega a outra margem bem rápido (15 minutos), mas ainda precisam subir contra correnteza até o destino. Essa subida é vagarosa, por ser contra correnteza. No cenário de exemplo, o remador vai levar 30 minutos. Prós: chegar rapidamente na outra margem, que é uma área já protegida. É uma estratégia simples também. Contras: nem sempre chegar na outra margem significa segurança. Leva muito tempo até o destino final.


Fazer o ferrying: nessa estratégia, o remador tem que fazer o alinhamento de pontos notáveis e também definir a angulação do ferrying. Chega no destino em apenas 17 minutos. Prós: diminui bastante o tempo total, chega numa área mais protegida de forma rápida, usa as forças da natureza para auxiliar na travessia. Contras: é necessária atenção constante no alinhamento dos pontos notáveis. Pode causar confusão no grupo quando o líder ajustar o ângulo do ferrying sem comunicar de forma clara.


Neste exemplo, comparando as 3 abordagens, o ferrying foi a mais eficiente. Mas nem sempre é assim:
- supondo que fosse continuar a remada a favor da correnteza, a melhor estratégia seria Definir e seguir um rumo
- nesse exemplo a velocidade da correnteza era menor que a do remador. Caso contrário, não é possível superar a correnteza com ferrying, então a estratégia Definir e seguir um rumo também seria melhor para atravessar. Tendo que rezar para depois, ao ter que remar contra correnteza, existirem alguns remansos ou que a correnteza esteja mais fraca na margem.

Não é fácil encontrar uma situação que a estratégia Aproando para o destino seja a mais vantajosa. No entanto, essa é a mais usada pelos novatos. 

Calculando o ângulo do ferrying

Usando um pouco de cálculo vetorial é possível estimar o ângulo do ferrying já na fase de planejamento, desde que sejam conhecidas a direção e velocidade da correnteza na região. Como funciona isso? Vamos fazer um passo a passo:

1) Desenhar uma linha que represente o trajeto desejado (linha amarela do ponto A - Pta da Marambaia para o ponto B - Pta do Retiro). Olhando na rosa dos ventos, o destino está no rumo de 49º verdadeiros.



2) Definir a direção e força da correnteza. Essas informações podem ser encontradas nas cartas náuticas. No caso da região em estudo, a correnteza em dias normais é de 1,5 nós, ou seja 2,77 km/h. Defini como minha velocidade média de remada 5,5 km/h. Defina a sua...


3) Desenhar a linha que representa esta correnteza, com sua força e direção. Por exemplo, desenhei uma linha vermelha de 2,77 cm (representa 2,77 km/h), na mesma angulação da correnteza. Essa linha vermelha deve iniciar sobre a linha amarela, que representa o trajeto desejado, no sentido contrario ao da correnteza.

 

4) Desenhar a linha que representa sua remada em condições normais. Por exemplo, desenhei uma linha verde de 5,5 cm (representa 5,5 km/h), saindo do final da linha vermelha, girando até encontrar a linha amarela.


5) Medir, qual a distância, em cm, do ponto que a linha verde cruza com a amarela, até o ponto que a linha vermelha cruza com a amarela. Representei essa medida pela linha azul, que tem 4,3 cm (representa 4,3 km/h). Ou seja, fazendo o ferrying vou ter uma velocidade média de 4,3 km/h.


6) Estimar o tempo de remada, fazendo o ferrying. Se eu faço 4,3 km em 1 hora, quanto tempo levo para fazer 5,24 km? Fazendo uma regra de 3 é possível notar que meu tempo total será:

4,3km * xh = 5,24km * 1h
x = 5,24 / 4,3 = 1,22 = arrendondando para 1,2
Será 1,2h = 1 hora e 15 minutos

Ou seja, fazendo o ferrying vou demorar 1:15.

7) Definir o rumo (ângulo) para o ferrying. Se eu não tivesse correnteza, poderia remar para o rumo 49º verdadeiro, mas com esta correnteza, terei que remar para o rumo 20º verdadeiros, para realizar o ferrying.


Resumindo, o resultado da soma da direção/força da correnteza com a direção/força da sua remada vai ser a sua trajetória final, assumindo obviamente que essas variáveis são constantes e uniformes. 

Esses cálculos prévios são pouco usados na prática, pois, quando temos boa visibilidade, é mais fácil definir a angulação do ferrying fazendo o alinhamento de pontos notáveis. No entanto, são aqui apresentados mais por questões de curiosidade e aprendizado. Quando não temos visibilidade este métodos até pode ser usado, mas normalmente é mais prudente não realizar uma travessia em tais condições.

Fonte

- adaptado de NOLS Sea Kayak Educator Notebook 3rd Edition

Links sobre o assunto

http://www.sit-on-topkayaking.com/Articles/Touring/CrossingCurrents.htm
https://www.paddlinglight.com/articles/technique/navigation-course-bearings-and-headings/
https://www.paddlinglight.com/articles/kayak-ferry-angles/
https://paddling.com/learn/ferries/
- https://tsunamirangers.com/2012/12/10/kayak-navigation-crossing-current-calculate-ferry-angle/
https://www.clubedoarrais.com/navegacao-rumos-e-marcacoes/
http://www.villanautica.com.br/aprenda-como-manter-seu-barco-sempre-na-direcao-que-sua-proa-aponta/

Comente sobre o assunto...
Deixe sua opinião, nos conte suas experiências...
Discorda de algo? Escreva...
Tem alguma dica para enriquecer a discussão? Mande...

Sugestões e críticas são sempre bem-vindas. Obrigado.

5 comentários:

  1. Muito boa a postagem, com certeza vai auxiliar muito na formação técnica de mais remadores!!! Acho legal citar que a influência do vento pode ser tão potente quanto uma correnteza e para isso podemos usar as mesmas estratégias que foram bem descritas acima.
    Valeu, Pablo, excelente!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu alemão... bem importante o destaque do vento... tendo a mesma influência das correntezas... e ainda o efeito do vento sobre a própria correnteza, potencializando ou diminuindo... Na carta náutica da região de Rio Grande, fica bem destacada a influência do vento na correnteza da região...
      Abraços!

      Excluir
  2. Gostaria de parabenizá-lo pelo Blog, muito técnico. Sou adepto do Kayak Fishing e gostei muito de como vc aborda o uso do caiaque. Vou na medida do possível resumir seus ensinamentos e postar nos grupos que participo. Mais uma vez Parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Marcio, obrigado pela sua mensagem. Não são muitas pessoas que gostam dessa parte mais teórica, mas que de alguma forma é bem importante também. Abraços e vamos q vamos!

      Excluir
  3. Pablo parabéns pelo Blog. Sou praticante do Kayak Fishing e gostei muito de como você aborda os temas e de suas informações técnicas. Gosto de me aventurar em passeios mais longos e fiquei muito contente por ter encontrado o seu Blog. Esta sendo grande fonte de informação. Na medida do possível, vou resumir seus textos e compartilhar seus ensinamentos nos grupos que participo. Mais uma vez, Parabéns. Abraços

    ResponderExcluir