Os tristes acham que o vento geme;
Os alegres acham que ele canta
Luis Fernando Verissimo
Você não pode mudar o vento,
mas pode ajustar as velas do barco para chegar onde quer.
Confúcio
Adestrei-me com o vento e minha festa é a tempestade.
Cecília Meireles
O Galo dos Ventos (do inglês weathercock) é um tipo de catavento que combina a figura de um galo e uma rosa dos ventos simplificada. Esse equipamento é impulsionado pelo vento e indica a direção do vento incidente. Geralmente é encontrado no alto de igrejas, casas antigas, torres de sino, desde o início da Idade Média até os tempos atuais.
O efeito weathercock na canoagem
Remar parece fácil, não é? O remador coloca o colete, senta no caiaque, ajusta a saia, olha para o local que quer ir e rema dum lado, rema do outro e vai indo... até chegar lá... Embora tudo isso seja verdade, há alguns detalhes bem importantes nessa história toda.
Controlar o barco ou fazê-lo ir onde você quer é mais complexo do que parece inicialmente. Um bom remador domina o barco. A menos que você olhe com bastante atenção para o que o remador está fazendo, parece que o barco vai sozinho para o local desejado. Na realidade, o remador está usando seu corpo, o remo e o barco para tentar chegar nesse local. Tudo isso não é óbvio e leva algum tempo para que essas técnicas sejam entendidas e dominadas.
Na canoagem, weathercock significa que o caiaque vai orçar para o vento, o que dificulta, em algumas situações, para o remador manter seu barco no curso desejado. Isso pode ser um pouco frustrante para os remadores, principalmente para os iniciantes.
INTENDED COURSE: rumo desejado.
WIND: vento incidente.
ACTUAL COURSE: rumo real.
Vento entrando de través de bombordo.
Caiaque naturalmente vai aproando para o vento.
Toda embarcação, seja um navio cargueiro ou um pequeno caiaque de plástico, cria um rastro visual e uma zona de pressão ao passar pela água, cada um com um formato bem peculiar.
Olhando de cima é possível ver zonas de pressão circundando as extremidades do caiaque (uma zona maior e mais forte na proa e menor e mais fraca na popa), enquanto uma zona estreita de pouca pressão pressiona a seção média do barco (perto do remador). O tamanho e o formato dessas zonas variam de acordo com a velocidade e o formato do casco, mas são essas zonas de pressão, que se movem pela água junto com o caiaque, que criam os rastros que vemos na proa e na popa.
Zona de pressão na proa e na popa.
Geralmente, essas zonas de pressão são simetricamente balanceadas nos dois lados do casco, de modo que o caiaque tende a seguir em linha reta. No entanto, ao remar em um dia de vento, este mesmo exerce uma força ao longo de todo o comprimento lateral de um dos bordos (lados) do caiaque. A zona de maior pressão ao redor da proa ajuda o caiaque a resistir a essa força lateral. No entanto, a zona de menor pressão na popa oferece, consequentemente, uma resistência bem menor.
Detalhe dos rastros na água.
O efeito geral é que o vento é capaz de empurrar a popa mais longe do que consegue empurrar a proa. Como resultante, a aparência é de que o vento empurra a popa na direção do vento e a proa contra o vento - simplificando: o caiaque aproa para o vento - o fenômeno weathercock.
Todas as zonas de pressão ao redor do barco aumentam a medida que a velocidade também aumenta. Logicamente, estas zonas de pressão diminuem a medida que a velocidade também é menor. Resumindo, o efeito weathercock tende a aumentar quanto mais rápido você remar.
Certamente o vento é o maior responsável por este efeito, no entanto as ondas também exercem grande força no casco do caiaque. Quando uma onda bate no lado do caiaque também encontra uma resistência lateral diferenciada na popa e na proa, dando mais força ao efeito weathercock.
Encontrando o seu ponto central
Se você colocou um pouco mais de carga na proa do barco, o vento pode mais facilmente empurrar sua popa na direção do vento (downwind) e puxar sua proa contra o vento (upwind). Resumindo, mais carga na proa tende a aumentar o efeito weathercock.
Conceito de Trimming
Segundo o dicionário náutico, trimming se refere a condição de uma embarcação que é carregada e equilibrada para que flutue corretamente em sua linha d'água. Acredito que as palavras nivelado, alinhado ou balanceado sejam boas traduções. A melhor maneira de definir se um caiaque está trimmed (balanceado) é ver quanto do barco está em contato com a água, analisando de ponta a ponta, de proa a popa, e verificar se alguma das extremidades está mais afundada na água que outra. O trim (alinhamento) pode ser alterado principalmente ajustando a organização da carga. Ajustar o trimming faz uma grande diferença no desempenho do barco.
Muito peso na popa.
Balanceado ou neutro.
Muito peso na proa.
Balanceado ou neutro.
Muito peso na popa.
Mas porque falar de trimming se o assunto é weathercock? Pois, como já foi mencionado, é possível aumentar a efetividade ou reduzir a necessidade de um skeg se for colocado mais peso na popa do barco. Com o peso, a popa é afundada e de certa forma ancora um pouco mais essa parte do caiaque, resistindo mais a força do vento, reduzindo a tendência da popa de ser empurrada na direção do vento (downwind). Contrapondo, quando a proa está mais carregada, o efeito weathercock pode ser notado mais facilmente.
Técnicas para enfrentar o efeito weathercock
Quando bater aquele vento de través, como manter o seu caiaque na direção correta? Várias técnicas foram desenvolvidas para ajudar a manter o barco no rumo correto...
1) uso do skeg ou leme
Quando um caiaque está nascendo na prancheta de desenho, o designer já está pensando se aquele barco vai ter um skeg ou leme. Além disso, essa decisão define muitas outras características no design final do barco. Mesmo sendo muitas vezes considerados semelhantes, vale lembrar que leme e skeg não tem as mesmas características e em geral não são substituíveis um pelo outro.
Tanto que existem caiaques com os dois sistemas.
É nesse tipo de situação que o leme ou um skeg pode ajudar bastante, mantendo a popa no lugar. Você pode achar que só precisa remar mais ou varrer mais o lado do ventoso para manter seu barco indo na direção desejada. Se você tem ondas vindo do lado e do vento, manter seu curso pode ser ainda mais difícil.
O skeg
Na sua essência, o skeg aumenta a resistência lateral na popa, nivelando com a resistência da proa, permitindo que o caiaque mantenha o rumo. O skeg não gira e não tem intenção de direcionar o barco e sim ajustar sua capacidade de andar em linha reta. A regulagem do skeg é muito importante e tem forte efeito na direção do caiaque, como podemos ver nos exemplos a seguir. De acordo com sua necessidade você pode baixar aos poucos e ir medindo como o barco se comporta. Como controlar seu caiaque com o skeg? (baseado num artigo de Bill Vonnegut)
Situação 1
Situação 1: Aqui o caiaque está parado, ou seja, o remador está ajustando sua saia e não ainda não começou a fazer o seu trabalho (ou sua diversão): remar. Ele também ainda não liberou o skeg... O vento está entrando de través, a bombordo. O que vai acontecer? Com a tendência de manter a proa e popa sofrendo a mesma pressão do vento, naturalmente o caiaque vai ficar de lado (em paralelo) ao vento.
Situação 2
Situação 2: Mas e agora, que o remador começou a trabalhar, a se locomover, a remar para frente, com uma velocidade média de 3 nós. O vento continua batendo de través de bombordo. O que vai acontecer? O famoso efeito weathercock. A maior pressão na proa, devido a movimentação para frente a 3 nós, faz com que esta não sofra tanto com a ação do vento como na popa, onda a pressão da água é bem menor. Com o agravante do skeg está recolhido. Então o caiaque vai aproar para o vento.
Situação 3
Situação 3: O remador continua a remar, a se locomover para frente, com uma velocidade média de 3 nós. O vento continua batendo de través, a bombordo. No entanto, agora o skeg está estendido. O que vai acontecer? A alta pressão na proa, devido a movimentação para frente a 3 nós, faz com que ela não sofra tanto com a ação do vento. A popa, onda a pressão da água é bem menor, e sofreria mais com a ação do vento, também fica estabilizada, já que o skeg está estendido. Sendo assim, o caiaque mantém seu rumo.
Situação 4
Situação 5
Situação 6: Mas nesse mesmo vento, vamos supor que o remador esqueceu de recolher o skeg, e ele continua estendido. Vale lembrar que o remador continua a remar, a se locomover para frente. O que vai acontecer? Remando na direção do vento, com o skeg estendido, vai dificultar muito manter o rumo. Com a pressão alta na proa (devido a velocidade do barco) e o skeg segurando a popa, a tendencia é o barco nivelar a pressão, ficando paralelo ao vento. Se o vento viesse exatamente da proa isso não aconteceria, no entanto o remador não também não iria precisar de skeg.
Situação 7
Situação 7: E agora que o vento vem de trás, está empopado. O remador está com o skeg estendido. Vale lembrar que o remador continua a remar, a se locomover para frente. O que vai acontecer? Com o skeg estendido, a pressão na proa e popa mantém o barco na direção.
Situação 8
Situação 8: O vento continua vindo de trás, está empopado. O remador resolveu recolher o skeg para ver o resultado. O que vai acontecer? Com o skeg recolhido, a pressão na proa a mantém segura mas a popa vai ser afetada pelo vento. O caiaque vai sofrer o weathercock e tende a aproar pro vento.
Então, a figura a seguir resume muito claramente o funcionamento do skeg e mostra a importância dele ter vários graus de regulagem:
UP: com o vento na proa, o skeg deve ser recolhido, pois o barco vai naturalmente aproar pro vento. 1/2 DOWN: com um vento de través, para manter a direção, o skeg deve estar em 50%. FULLY DOWN: com o vento de popa, deixar o skeg totalmente estendido para manter a direção.
O leme
- ao contrário do skeg que é ajustável em vários graus, o leme pode estar completamente em uso ou totalmente recolhido, não tem um sistema de graduação, é tudo ou nada (são chamados lemes retráteis. Um leme fixo adiciona dificuldade ao realizar curvas com o caiaque).
Comparação entre skeg e leme
Comparar skeg e leme é valido para entender as diferenças de cada um, no entanto, aquelas discussões intermináveis se o correto é usar leme ou skeg não fazem muito sentido. Eles são um tanto quanto diferentes. Cabe a cada remador avaliar as características de cada um e também seu nível de conhecimento e habilidade. Podemos até remar sem leme nem skeg, mas isso exigirá (mas também desenvolverá) técnicas e conhecimentos um pouco mais avançados, bem como um pouco mais de esforço.
2) Adernando o caiaque (ver animação em https://www.kayakpaddling.net/2-5)
Os remadores mais experientes e seguros também podem adernar o barco para ajudar a compensar o efeito do vento. Quando o vento de estibordo (lado direito) empurra seu caiaque, coloque o peso do seu corpo na nádega direita, elevando o joelho oposto, inclinando o caiaque. Desta forma, alterando a forma da linha dágua do caiaque, a tendência é puxar o caiaque para esquerda, idealmente anulando ou diminuindo o efeito weathercock.
Se o caiaque tem um leme ou skeg, é relativamente fácil compensar os efeitos do vento, mas quando essas ferramentas não estão disponíveis, por qualquer motivo, o um desafio é bem maior. Uma forma é realizar uma remada alta do lado do vento e uma remada baixa do outro lado. Se isso for cansativo, uma maneira simples de compensar o efeito do vento é alterar a posição das mãos no cabo do remo.
Por exemplo, se o vento estiver soprando da direita, esta é a direção em que o barco tentará aproar continuamente. Deslize as duas mãos ao longo do remo para a esquerda, isso significa que se formou uma alavanca muito maior no lado direito e isso fornece compensação para o efeito do vento. Além da alavanca, uma opção auxiliar é que na remada do lado direito seja realizada com mais força.
Remadora deslocou a pegada no cabo do remo para a esquerda (bombordo).
Provavelmente o vento está vindo de estibordo.
Assim, com o deslocamento, gera uma maior alavanca a estibordo.
Remador deslocou a pegada no cabo do remo para a direita (estibordo).
Provavelmente o vento está vindo de bombordo.
Assim, com o deslocamento, gera uma maior alavanca a bombordo.
Concluindo...
Esse pequeno relato buscou reunir e compartilhar as informações que encontrei sobre o efeito weathercock. As informações passadas foram testadas em algumas situações e parecem fazer bastante sentido. Vale cada um ler, pesquisar e colocar em prática para tirar suas próprias conclusões... Concluíndo, bora pra água...
Dicionário náutico
Arribar - ato de afastar a proa da direção do vento (em oposição a orçar);
Orçar - ato de aproximar a proa do barco da linha do vento (em oposição a arribar);
Popa (stern) - a parte de trás de uma embarcação (em oposição a proa);
Proa (bow) - a parte da frente de uma embarcação (em oposição a popa);
Bombordo - bordo à esquerda do rumo da embarcação (em oposição a estibordo);
Boreste (o termo estibordo não é mais usado) - bordo à direita do rumo da embarcação (em oposição a bombordo);
Sotavento - lado para onde sopra o vento (em oposição a barlavento);
Barlavento - lado de onde sopra o vento (em oposição a sotavento);
Adernamento - inclinação para um dos bordos da embarcação;
Aproar - meter a proa em direção de;
Ardente - barco com tendência a orçar (em oposição a mole);
Mole - barco com tendência a arribar (em oposição a ardente);
Nó (knot) - é unidade de velocidade normalmente utilizada nos meios marítimos. Corresponde a uma Milha Náutica (1852 metros) por hora (1 nó = 1 mn/h = 1852 m/h = 0,5144 m/s = 1.852 km/h). O nome veio historicamente do processo utilizado para medir velocidades, onde uma corda com nós espaçados de 50 pés, amarrada a uma tábua de madeira triangular com pesos (para se manter afundada) era jogada pela popa. Uma ampulheta de 30 segundos era utilizada, contando-se quantos nós passavam pela amurada neste intervalo;
Milha náutica ou milha marítima - é uma unidade de medida de comprimento ou distância, equivalente a 1.852 metros, utilizada quase exclusivamente em navegação marítima e aérea e na medição de distâncias marítimas. Historicamente a milha náutica foi definida como sendo o comprimento de 1 minuto de arco ao nível do mar, medida ao longo dos meridianos ou do equador;
Milha terrestre - é definida como 5280 pés (1609.344 m), e historicamente foi definida na Roma antiga como a distância percorrida em 1000 passos por uma coluna de soldados;
Vento - deslocamento do ar provocado pelas diferenças de pressão ou temperatura;
Linha do vento - sinônimo de direção do vento, de onde sopra o vento;
Montante - parte do rio para o lado da nascente (em oposição a jusante);
Derivar ou Abater - alteração do rumo que sofre um barco pela ação conjunta da corrente e do vento;
Emborcar - colocar(-se) de boca para baixo;
Downwind - a favor do vento;
Upwind - contra o vento;
Links e Referências
- http://superiorpaddling.com/kayak-weathercocking/
- http://solentseakayaking.co.uk/techniques/other/technique-using-a-skeg/
- https://www.neckykayaks.com/live_it/features/the_great_rudder_skeg_debate/
- https://paddling.com/learn/going-straight-rudder-or-skeg/
- https://www.rapidmedia.com/adventurekayak/categories/skills/8552-understanding-weather-cocking-and-skegs
- https://www.paddlinglight.com/articles/kayak-weathercocking-vs-tracking/
- http://www.kudzupatch.com/blog/2015/06/14/1488/
- http://kayak-skills.kayaklakemead.com/kayaking-in-high-winds.html
- http://solentseakayaking.co.uk/techniques/other/technique-using-a-skeg/
- https://www.ukseakayakguidebook.co.uk/short_articles/Tactics%20for%20turning.pdf
- https://liquidrhythmkayaking.wordpress.com/2009/05/20/weather-cocking-icebreaker-and-paddling/
- https://www.kayakacademy.com/pages/intermediate-s-guide-to-buying-building-a-kayak
- https://nozmoscadacanoagem.com.br/skeg-e-leme-em-caiaques-oceanicos/
- https://paddling.com/learn/how-to-trim-a-canoe/
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Sugestões e críticas são sempre bem-vindas. Obrigado.
parabéns pela matéria Paulo, apesar de não ser adepto a remadas no mar e em lagoas, me apaixona remar em rios estreitos e rápidos até nível 3 e usando caiaques abertos. Com dois companheiros fomos os únicos a remar pelo Ibirapuitã, desde próximo de sua nascente até Alegrete a 180 km. Para isso levamos onze dias já que o rio não é fácil, estava muito frio (mês de julho)e, logo no primeiro dia um dos caiaques sofreu uma avaria e nos obrigava a esgotá-lo constantemente.
ResponderExcluirOlá Samuel, acho que acompanhei pelo face a aventura de vocês. Em rios mais calmos, como o Camaquã, o efeito e aproar pro vento acontece também. Já em rios mais rápidos eu não sei :(, temos que testar.. hehehe Abraços meu amigo!
ExcluirGrande Pablo, mais uma postagem com ótimas informações e referências. É interessante saber como cada caiaque se comporta, quando coloquei a vela k no chesapeake 17, a dinâmica na água mudou, estudar como se comportava com vento foi fundamental para seguir seguro no meu caiaque, aliás a vela permite realizar algumas manobras para deixar o barco aproado.
ResponderExcluirFala Alberto, como eh q tá meu amigo? Poooo fiquei feliz em saber q o amigo gostou da postagem, pois sei do teu grande conhecimento náutico. Cada caiaque, cada equipamento adicional, muda a dinâmica das coisas... Por isso q acho legal a gente experimentar todos os barcos e equipamentos que forem possível/estiverem disponíveis... Usar caiaque com vela, sem vela, com leme, com skeg, sem nada... Entender a influência do vento e onda nos diferentes barcos... Grande abraço! E vamos marcar uma remadinha... ou uma velejada... se tu aceitar um novato... ahahhaha Falow!
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